quinta-feira, 9 de junho de 2011

Religiões de Matriz Africana XI

tradição, ancestral geral ou força da natureza. Há também o Xangô de Luísa, Nzaze-Loango de Cláudia e o Badé de Filomena. Portanto, o que se apossa como tipo de transe nas pessoas que são dos terreiros de candomblé de Keto ou Efã, Angola, Jejes, do Omolocô e mesmo nas casas de Umbanda é uma “ínfima fração” da entidade geral, “caso contrário, nem o filho-de-santo que o recebe, nem o próprio mundo poderiam suportar a infinita potência que sobre eles se abateria, sendo imediatamente aniquilado”[1].
            Há uma relação individualizada entre o fiel e o orixá yorubá, entidade religiosa que pode ser compreendida como força da natureza ou ancestral divinizado, observada inclusive em África, na Nigéria, onde Karin Barber afirma que “cada fiel pode sentir que tem ‘sua própria’ Oya (Iansã) ou Sàngó ou qualquer outro òrìsà. Isso acontece porque cada òrìsà é dividido em versões incontáveis, cada uma delas com seu próprio nome subsidiário, orikí (poema religioso), personalidade e tabus.”[2] 
            Ao compreender a possessão como algo que se dá apenas por uma “ínfima fração” da entidade geral, seja ela orixá, inquice ou vodum, Márcio Goldman não somente nos ajudou a pensar a religião de matriz africana, no estrito sentido do termo religião, como um sistema que desenha um outro mundo e realiza esforços para toca-lo; mas também, contribuiu para nos ajudar a pensar o significado das primeiras possessões de entidade como “transe bruto”. Quando durante um ritual das religiões de matriz africana alguém cai no chão estatelado, é possível crer que este alguém tenha sido possuído por muito mais do que uma “ínfima fração” da entidade religiosa que lhe apossou. Coincidência ou não, conheci casos em que a queda machucou bastante a pessoa, que, por sua vez, não queria se submeter ao processo de iniciação.
            Nesses casos, na linguagem do “povo de santo” a pessoa “bolou” com uma entidade religiosa. Ela havia sido escolhida para ser consagrada ao orixá, inquice ou vodum. O processo de iniciação ritual inevitavelmente deveria acontecer, pois é isso significa o ato de bolar no chão. Dependendo dos níveis de sentidos conscientes e inconscientes produzidos pelo ato de bolar na trajetória pessoal, uma recusa radical diante do apelo à iniciação poderia significar vários prejuízos na vida da pessoa. Podendo, inclusive levar a sérios problemas de saúde física e mental, como casos de loucura.


[1] IDEM:114.

[2] BARBER, 1989:158.

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